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Formação profissional dos trabalhadores: o que diz a legislação?

 

A formação profissional é um dever do empregador e é um direito dos trabalhadores previsto na legislação laboral, mas também um dever de este frequentar as ações de formação proporcionadas por aquele.

No Código do Trabalho (CT Lei 7/2009, de 12.02), está consagrado o regime nos artigos 130.º a 134.º). A formação profissional é imprescindível para ambas as partes do vínculo laboral. O trabalhador aumentará as suas competências e será mais produtivo. O empregador beneficiará dessa maior produtividade do trabalhador em resultados de eficiência e de menores custos de produção.

O legislador atribui grande importância a esta componente do contrato do trabalho, tendo alterado recentemente o número de horas anuais obrigatórias de 35 para 40 (Lei n.º 93/2019, de 04.09).

Assim, desde o dia 01.10.2019, os trabalhadores têm direito a um mínimo de 40 horas de formação contínua por ano (art. 131.º, n.º 1, alínea b) do CT). Tratando-se de contrato a termo de duração igual ou superior a 3 meses, o número de horas de formação em cada ano é proporcional à duração do contrato nesse ano.

Questão frequentemente colocada é que tipo de formação está o empregador obrigado a proporcionar aos seus trabalhadores. Nos termos do artigo 133.º do CT, de preferência, os conteúdos devem ser acordados entre as partes. Na falta de acordo, é o empregador que escolhe, mas nesse caso a formação deve ter afinidade com a atividade desenvolvida pelo trabalhador.

 
 

E o que pode o trabalhador fazer se o seu empregador não lhe proporciona as horas de formação obrigatórias?

Além de constituir uma contraordenação, punível com coima a aplicar pela Autoridade para as Condições do Trabalho, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º CT o empregador deve assegurar, em cada ano civil, formação contínua a pelo menos 10% dos seus trabalhadores. Os que não forem contemplados acumulam as horas para o ano seguinte.

Caso o empregador não proporcione as horas de formação até ao termo dos dois anos posteriores ao seu vencimento, transformam-se em crédito de horas em igual número para formação por iniciativa do próprio trabalhador, a frequentar durante o período normal de trabalho, sem perda de retribuição, e contam como tempo de serviço efetivo. Ou seja, o trabalhador, desde que avise o empregador com 10 dias de antecedência, escolhe por sua iniciativa a formação que pretende frequentar, podendo faltar ao trabalho para essa frequência, sem perder a retribuição. Apesar de a lei ser omissa quanto às condições do exercício de tal direito, a frequência e o momento do uso não está sujeito a autorização do empregador, bastará apenas que avise com antecedência mínima de 10 dias, faça prova da sua inscrição e frequência.

Exercendo esse direito, a formação escolhida pelo trabalhador deve ter correspondência com a atividade por si prestada ou respeitar a tecnologias de informação e comunicação, segurança e saúde no trabalho ou língua estrangeira, o que significa que não tem a liberdade de escolher outra área.

Esse crédito de horas só pode ser utilizado pelo trabalhador nos três anos seguintes à sua constituição, sob pena de o perder. No entanto, cessando o contrato de trabalho por qualquer causa, o trabalhador tem direito a receber a retribuição correspondente ao número mínimo anual de horas de formação que não lhe tenha sido proporcionado, ou então ao crédito de horas para formação de que seja titular à data da cessação (os últimos três anos). Se por hipótese um trabalhador auferir a retribuição base de 683,00€, com período normal de trabalho semanal de 35 horas e nos últimos três anos não lhe foi proporcionada formação pelo seu empregador, e sendo a retribuição horária de 4,50€, terá direito a 105 horas de formação, que se forem convertidas em retribuição, confere-lhe o direito a 472,85€.


E qual o horário que o empregador pode impor a frequência da formação?

O CT não proíbe a realização de formação fora do horário de trabalho e em dia de descanso. Contudo, o trabalhador tem direito a ser compensado pelas horas despendidas em formação, de acordo com as seguintes regras:

a) Em dia de trabalho normal, fora do horário de trabalho
Se o acréscimo de horas não exceder 2 horas diárias, as 2 horas a mais são pagas ao valor normal, não sendo considerado trabalho suplementar (art. 226.º, n.º 3, alínea d) do CT).

b) Em dia de trabalho normal, fora do horário de trabalho (+de 2 horas):
Se o acréscimo de horas exceder 2 horas diárias, o excesso (para além das 2 horas) é pago como trabalho suplementar. Segundo as regras do trabalho suplementar, a primeira hora extra é paga com acréscimo de 25% e as demais com acréscimo de 37,5% (art. 268.º, n.º 1, al. a) do CT).

c) Em dia de descanso semanal obrigatório:
As horas despendidas em formação que decorram em dia de descanso obrigatório têm de ser pagas com acréscimo de 50% (art. 268.º, n.º 1, al. b) do CT). O trabalhador tem, ainda, direito a um dia de descanso remunerado num dos 3 dias úteis seguintes (art. 229.º, n.º 4 do CT).

d) Em dia de descanso que seja ao domingo:
O Código do Trabalho determina que o domingo é o dia de descanso obrigatório (art. 232.º do CT). Em regra, as empresas estão proibidas de exercer a sua atividade ao domingo, salvo algumas exceções. O trabalhador pode opor-se à realização de formação ao domingo, a menos que tal esteja previsto no contrato de trabalho, por acordo escrito entre as partes ou em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.


Exemplo prático

Trabalhador ganha € 10/hora. Horário de trabalho das 09h00-18h00. Formação é das 18h00-22h00 (4 horas em acréscimo ao horário de trabalho).
A 1ª e 2ª horas são pagas como trabalho normal, a € 10 cada.
A 3ª hora é trabalho suplementar, sendo paga com acréscimo de 25%, a € 12,5.
A 4ª hora de formação é a 2ª hora de trabalho suplementar, pelo que é paga com acréscimo de 37,5%, a € 13,75.


Para trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas, o regime da formação profissional está previsto no Decreto-Lei n.º 86-A/2016, de 29.12, estabelecendo uma regulamentação bem diferente da prevista no CT, mais exaustiva.

Desde logo estabelece um direito a um crédito de 100 horas por ano civil para autoformação, financiada pelo trabalhador, podendo ser realizada no período laboral, e nesse caso corresponde ao exercício efetivo de funções.

Os órgãos e serviços da Administração Pública não podem impedir a frequência de ações de autoformação quando estas tenham lugar fora do período laboral, o que significa que poderão impedir durante o período normal de trabalho.

O pedido de autorização para a autoformação, a realizar durante o período laboral, deve ser apresentado ao dirigente máximo do órgão ou serviço, devidamente fundamentado e com indicação da data de início, do local de realização, natureza e programa, duração e, quando aplicável, a entidade formadora. A recusa do acesso a autoformação deve ser sempre fundamentada e não pode ser indeferido mais do que duas vezes consecutivas.


Ora, a diferença de regimes quanto a obrigações dos empregadores é substancial. Se neste último regime a obrigação dos empregadores públicos é a de proporcionar ao trabalhador e aos dirigentes o acesso a formação profissional e criar as condições facilitadoras da transferência dos resultados da aprendizagem para o contexto de trabalho, no CT a formação deve ser assegurada pelo empregador; Se no CT o empregador tem o dever de assegurar no mínimo 40 horas anuais, pagas por si, no regime da Administração Pública o empregador não tem essa obrigação de proporcionar mínimos de horas nem de as pagar. É mais fácil atribuir ao trabalhador um direito a um crédito de 100 horas por ano civil para autoformação, financiada pelo próprio trabalhador! E assim chegamos ao cúmulo, também nesta parte da formação profissional, de ter numa mesma entidade pública empresarial trabalhadores com a mesma categoria profissional, a desempenhar as mesmas funções, com regimes de formação totalmente diferentes.

Vila Nova de Gaia,
03 de dezembro de 2019
Francisco Meira